terça-feira, 2 de agosto de 2011

O MITO FUNDADOR


Nos (re)conhecemos?
Por Eidson Miguel
A origem do Seridó é normalmente atribuída à ação dos “homens bons” do passado, quem eram esses homens bons? Os sesmeiros, brancos e católicos, que fundariam as forças oligárquicas da nossa região. O município de Currais Novos enquadra-se nesse perfil, sua gênese é normalmente atrelada a uma família Galvão, vinda de Pernambuco, que, recebendo terras na região do Seridó, empreendeu o trabalho de povoamento da região, fundando, inclusive, a povoação, que viria a dar origem à cidade de Currais Novos. Mesmo sendo fato que espaços, como o nosso, foram construídos por um grupo humano étnico/social/culturalmente heterogêneo (mestiços, escravos, trabalhadores livres etc.) nesse mito fundador percebe-se o obscurecimento da presença e contribuição de outros atores sociais e expressões culturais, a mestiçagem étnico cultural é visivelmente apagada, negros, mestiços e pobres não são tratados como atores sócio-históricos, quando muito aparecem como “figurantes sem fala” na ‘história’ oficial.
Vejamos o que nos diz Julie A. Cavignac no artigo “A etnicidade encoberta: ‘Índios’ e ‘Negros’ no Rio Grande do Norte”;
“Se, nos estudos sobre o Rio Grande do Norte, as referências identitárias diferenciais são discretas, também nas representações nativas do passado, percebemos uma ausência dos principais atores da história colonial. Nos dois casos, as populações autóctones, os escravos e os seus descendentes, são relegados ao segundo plano.
(...)
No Nordeste, e ainda mais no Rio Grande do Norte, a história primeiramente escrita fora dos contextos acadêmicos e, essencialmente, pelas elites locais que tentaram apagar, a todo custo, as especificidades étnicas ao longo dos séculos. Precisamos, então, desconfiar da versão proposta pela historiografia tradicional que se esforçou em descrever os fatos, escondendo aspectos pouco gloriosos da história, chegando, por exemplo, a declarar a extinção total das populações autóctones ou subestimar o número de escravos no sertão...(CAVIGNAC, s/d, p. 1)   
 Quando observamos os aspectos culturais em Currais Novos, seus vultos mais marcantes, nos deparamos com a famosa Festa de Sant’ana e vemos que sua origem é atrelada à ‘família fundadora do município’, pois graças a promessas e crenças da família Galvão o seu culto pessoal a Sant’ana passou a culto público e a principal marca de uma ‘identidade’ currais-novense. Vemos que tal marca cultural é oriunda e respaldada por duas fortes instituições sociais da época (passada e atual) uma elite social e a igreja católica, vemos também que aquele povo que não aparece na história também não aparece (oficialmente) culturalmente. Será a religiosidade, principalmente o culto a santos católicos, a única (ou principal) marca cultural-identitária do nosso povo? Onde esta a participação desse povo mestiço e criativo na história do presente e do passado, na cultura historicamente produzida? Certamente que nossa identidade mestiça e multicultural não reside só em festas religiosas católicas e louvores aos “homens bons” da história, precisamos nos conhecer, nos descobrir.
Em Currais Novos a cultura popular, entendida aqui como transformação de elementos da vivência cotidiana em objeto estético pelo artista, tem dependido da resistência de determinados atores sociais: os Casarões, Avoantes e Caçuas que garantem a manutenção de uma sabedoria popular. Em certa conferência realizada por artistas locais em nosso município o mamulengueiro Ronaldo Gomes, ao tratar do teatro de João Redondo, enfatizou que tal manifestação fazia parte das nossas raízes, da nossa identidade, mas temos que nos perguntar que identidade é essa, que é nossa e que mal conhecemos, que aspectos compõe nossa identidade afinal? Será somente o culto aos “homens bons” da história e às instituições católicas? Se podemos responder afirmativamente que “não”, devemos apontar então quais são estes aspectos. Quais são?
Certamente que não somos somente gado (“ovelhas do senhor” e “curral eleitoral”). Temos que nos (re)conhecer!

REFERÊNCIA
CAVIGNAC, Julie A. A etnicidade encoberta: ‘Índios’ e ‘Negros’ no Rio Grande do Norte. Disponível em wwww.cerescaico.ufrn.br/mneme  Acessado em 02 de agosto de 2011.

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