domingo, 6 de outubro de 2013

IMPRESSÕES SOBRE A OBRA DE ARTE



O meu primeiro contato com a música instrumental aconteceu na disciplina de música na UFRN, curso de Educação Artística. O professor pediu para relaxarmos na cadeira, fechar os olhos, ligou o aparelho de som e nos fez escutar “Triângulo das Bermudas” de Tomita. Após, fomos solicitados a relatar a experiência e verificou-se que todos os depoimentos haviam algo em comum: as imagens construídas para explicar o que sentíamos eram permeadas de semelhanças, muitas vezes só os termos empregados faziam a diferença.  Assim, podíamos perceber, claramente, que na mensagem artística havia uma intenção, constatada na receptividade da obra.
Dilatando essa experiência, penso que esse “comum”, referido acima, é formado pelos padrões estabelecidos pela nossa cultura. Assimilamos os sons, ruídos das coisas, uma porta rangendo, a onda do mar quebrando, uma explosão, etc. Sons que remetem a suavidade, agitação e outros, nos leva a associá-los a eventos da nossa experiência de vida em sociedade.O sentido do mundo dá-se mediante o reconhecimento dessas referências que são compartilhadas pelos outros membros em nossa realidade. Nos aproximamos, então, ao entendimento de uma ideia de código devido ao convencionalismo estabelecido de informações, estruturadas em nossa vivência social.


Sabemos que a obra de arte precisa ser apreciada, esse é o seu fim, ato que a completa e isso se dá pela mediação do sentir e do pensamento do espectador. Nesse processo são usados os padrões codificados, as referências que detemos que constroem a noção de mundo, citado acima.
Então, o modo como elaboramos os sinais criados para representar uma obra de arte, como os dispomos,  organizamos no corpo da mensagem, tudo está subordinado a uma intenção e deve-se cumprir sua viabilidade: comunicar, adequá-los melhor possível para alcançar seu objetivo, de maneira que chegue ao consumidor que, por sua vez, operará a receptividade.  Essa forma de “como” é a parte estrutural  da obra. A forma submetida à intenção.
Mas, existe situação que os artistas valorizam mais o processo formal, o importante é o ato criador, a receptividade, ela esta livre para ser recebida da forma que quiser.
O que é importante notar que uma obra de arte possui uma intenção e estrutura formal que a viabiliza. Lembrar, também, que a receptividade da obra depende da abrangência de entendimento de cada espectador que utiliza padrões entendimento comum em nossa vida em sociedade para efetuá-la.
Deste modo, consideramos ao apreciar uma obra de arte o meio como ela nos chega, a estrutura formal, o corpo da obra. Observo se ele atinge seu objetivo: sensibilizar quem a contata. Geralmente, esse corpo é sustentado por um esquema de sinais, representações relacionadas, criando um sistema orgânico, dependente, que permite o nexo da mensagem. Me faltou isso, ontem, ao assistir o espetáculo Rio Cor de Rosa da Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão que se apresentou no Espaço Avoante de Cultura, identificar um corpo.
Tal situação, geralmente, acontece quando deparamos com obras com tendência mais contemporânea, a estranheza do não reconhecimento com os padrões de entendimento da realidade usado por nós, é natural. Assim, não conseguimos acessar seu código, reconhecê-lo o suficiente para uma leitura satisfatória.
Procurei perceber um corpo, esquema estrutural que regesse o fluxo de algo que fosse ela mesma, identificável, senti dificuldade. O meu foco não era dirigido, enquanto me detinha procurando assimilar a expressão de um movimento, outro adiante, atrás, frente me capturava e impedia a completude. Seria esse o corpo? Mas nesses intervalos incompletos, surgiu um elemento destrutivo: a dispersão, quebrando a continuidade. Me esforçava sempre para voltar, me concentrar, entrar no jogo, na proposta. Perguntei a outra pessoa, quando terminou, como foi a receptividade nesse sentido, afirmou que havia se concentrado.
Hoje, no dia seguinte, pergunto o que esta experiência deixou em mim? Revejo o espetáculo como uma textura, facilitado pela  inviabilidade do foco, hierarquia de valores que dirigisse a atenção do espectador que possibilita o tempo indispensável para assimilar as representações construídas com os movimentos.
Recorro ao início do modernismo quando o cubismo inaugura a necessidade do título para direcionar o sentir e entendimento da experiência pictórica, o que não acontece com o título Rio Cor de Rosa que se configura  como mais um elemento enigmático para ser decifrado. Acho que seria preciso assisti-lo mais de uma vez, me familiarizar com seus elementos compositivos para poder processar melhor seu código expressivo que, por enquanto, me foge.
Às vezes tenho a impressão que existe uma preocupação muito grande por parte de alguns  artistas em ser atuais, esquecendo a finalidade da obra de arte, aquecer a alma. Talvez seja culpa do egoísmo, frio, do homem, centrado no próprio umbigo, canibais de si mesmo, valoriza o processo formal pensando na repercussão da performance, necessidade do reconhecimento, de mostrar-se atualizado, à frente. À frente de quê se não consegue acrescentar algo ao outro, uma conexão se quer. 
Quando vou assistir de novo?

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