O
meu primeiro contato com a música instrumental aconteceu na disciplina de
música na UFRN, curso de Educação Artística. O professor pediu para relaxarmos
na cadeira, fechar os olhos, ligou o aparelho de som e nos fez escutar “Triângulo
das Bermudas” de Tomita. Após, fomos solicitados a relatar a experiência e
verificou-se que todos os depoimentos haviam algo em comum: as imagens
construídas para explicar o que sentíamos eram permeadas de semelhanças, muitas
vezes só os termos empregados faziam a diferença.
Assim, podíamos perceber, claramente, que na mensagem artística havia
uma intenção, constatada na receptividade da obra.
Dilatando
essa experiência, penso que esse “comum”, referido acima, é formado pelos padrões estabelecidos pela nossa cultura. Assimilamos os
sons, ruídos das coisas, uma porta rangendo, a onda do mar quebrando, uma
explosão, etc. Sons que remetem a suavidade, agitação e outros, nos leva a
associá-los a eventos da nossa experiência de vida em sociedade.O
sentido do mundo dá-se mediante o reconhecimento dessas referências que são compartilhadas pelos
outros membros em nossa realidade. Nos aproximamos, então, ao entendimento
de uma ideia de código devido ao convencionalismo estabelecido de informações,
estruturadas em nossa vivência social.
Sabemos
que a obra de arte precisa ser apreciada, esse é o seu fim, ato que a completa
e isso se dá pela mediação do sentir e do pensamento do espectador. Nesse
processo são usados os padrões codificados, as referências que detemos que constroem
a noção de mundo, citado acima.
Então, o modo como elaboramos os sinais criados para
representar uma obra de arte, como os dispomos, organizamos no corpo da mensagem, tudo está subordinado
a uma intenção e deve-se cumprir sua viabilidade: comunicar, adequá-los melhor
possível para alcançar seu objetivo, de maneira que chegue ao
consumidor que, por sua vez, operará a receptividade. Essa forma de “como” é a parte estrutural da obra. A forma submetida à intenção.
Mas,
existe situação que os artistas valorizam mais o processo formal, o importante é o ato criador, a receptividade, ela esta
livre para ser recebida da forma que quiser.
O
que é importante notar que uma obra de arte possui uma intenção e estrutura
formal que a viabiliza. Lembrar, também, que a receptividade da obra depende da
abrangência de entendimento de cada espectador que utiliza padrões entendimento comum em nossa vida em sociedade para efetuá-la.
Deste
modo, consideramos ao apreciar uma obra de arte o meio como ela nos chega, a
estrutura formal, o corpo da obra. Observo se ele atinge seu objetivo:
sensibilizar quem a contata. Geralmente, esse corpo é sustentado por um esquema
de sinais, representações relacionadas, criando um sistema orgânico, dependente, que permite o nexo da mensagem. Me faltou isso, ontem, ao assistir o espetáculo Rio
Cor de Rosa da Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão que se apresentou
no Espaço Avoante de Cultura, identificar um corpo.
Tal situação, geralmente, acontece quando deparamos com obras com tendência mais contemporânea, a
estranheza do não reconhecimento com os padrões de entendimento da realidade usado por nós, é natural. Assim, não conseguimos acessar seu código, reconhecê-lo o suficiente para uma leitura satisfatória.
Procurei
perceber um corpo, esquema estrutural que regesse o fluxo de algo que fosse ela
mesma, identificável, senti dificuldade. O meu foco não era dirigido, enquanto me detinha procurando
assimilar a expressão de um movimento, outro adiante, atrás, frente me capturava e
impedia a completude. Seria esse o corpo? Mas nesses intervalos incompletos, surgiu
um elemento destrutivo: a dispersão, quebrando a continuidade. Me esforçava
sempre para voltar, me concentrar, entrar no jogo, na proposta. Perguntei a
outra pessoa, quando terminou, como foi a receptividade nesse sentido, afirmou
que havia se concentrado.
Hoje,
no dia seguinte, pergunto o que esta experiência deixou em mim? Revejo o espetáculo como uma textura, facilitado pela inviabilidade do foco, hierarquia de valores que dirigisse a atenção do espectador que possibilita o tempo
indispensável para assimilar as representações construídas com os movimentos.
Recorro
ao início do modernismo quando o cubismo inaugura a necessidade do título para
direcionar o sentir e entendimento da experiência pictórica, o que não acontece com o título Rio Cor
de Rosa que se configura como mais um elemento enigmático
para ser decifrado. Acho que seria preciso assisti-lo mais de uma vez, me
familiarizar com seus elementos compositivos para poder processar melhor seu
código expressivo que, por enquanto, me foge.
Às
vezes tenho a impressão que existe uma preocupação muito grande por parte de
alguns artistas em ser atuais,
esquecendo a finalidade da obra de arte, aquecer a alma. Talvez seja culpa do
egoísmo, frio, do homem, centrado no próprio umbigo, canibais de si mesmo, valoriza
o processo formal pensando na repercussão da performance, necessidade do
reconhecimento, de mostrar-se atualizado, à frente. À frente de quê se não
consegue acrescentar algo ao outro, uma conexão se quer.
Quando vou assistir de novo?
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