Rui Falcão (D), presidente nacional do
PT,junto com o secretário de Comunicação, André Vargas (PT-PR) - Foto:
Luciana Santos/PTO
PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna
pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no
julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a
alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a
possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça.
Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um
direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.
A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o
vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os
próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser
processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas
infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros
de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais
superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão
diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no
início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi
negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no
caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou
pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado
fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à
decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista
legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios
jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no
processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz
das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e
desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um
ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência
do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a
transformação de indícios em provas.
À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e
conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo
quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de
liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades,
nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do
julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou
provas cabais.
Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual,
provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja.
No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua
inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao
acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.
3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em
1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por
diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas
quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua
função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a
improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a
condenação.
Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros
inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que
ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou
diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento
deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem.
Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF,
quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu
“tinha como não saber”...
Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do
fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o
de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a
conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o
partido a que estão vinculadas.
4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o
rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de
culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro
independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de
votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança
jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos,
ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a
mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de
qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas
indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou
inimigos políticos de caciques partidários locais.
Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo
emendas constitucionais, como as das reformas tributária e
previdenciária, já estão em andamento ações diretas de
inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o
intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram
injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica
exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio
Estado Democrático de Direito.
5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem um
papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao
PT - ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam
votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim,
imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo
assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto
popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo
Tribunal Federal - assim como os demais poderes e todos os tribunais
daqui e do exterior - faz política. E o fez, claramente, ao julgar a
Ação Penal 470.
Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente com
as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao
escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de
provas.
Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional
contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de
certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político
eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus
julgamentos.
No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem
representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos
ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de
dinheiro público e compra de votos).
Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual
vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias
constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de
provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o
julgamento convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em
vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas, principalmente,
condenar alguns pela “compra de votos” para, desta forma, tentar
criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas.
Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras
jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da
condenação.
Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião
pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita,
menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a
imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo
politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao
afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das
eleições.
A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do
Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida.
Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido
no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente - que o PT luta para
transformar através do projeto de reforma política em tramitação no
Congresso Nacional - não justificam que o poder político da toga
suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil,
muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos
no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu
um operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como
suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em
todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm
promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.
A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o
Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria
extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a
6a.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais
devendo a ninguém.
Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua
convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem
tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que
não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos
públicos, nem apropriação privada e pessoal.
Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional,
acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar
pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente
condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio.
Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político - o
que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais - e pela
maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular
contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal
470, em relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas
e corrigidas.
Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas
bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às
lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as
transformações em favor da igualdade e da liberdade.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão Executiva Nacional do PT.