terça-feira, 26 de julho de 2011

EXPERIÊNCIA PICTÓRICA



Tive a satisfação de acompanhar a elaboração e a execução do trabalho “No Ritmo do Desenvolvimento” da artista plástica Tércia Lêda. Ela chegou ao meu atelier provida de uma intenção e de alguns apetrechos que havia comprado: bonecas de plástico, disco de serra, ilustração de cédulas de dinheiro, gado em miniatura, funil, fotos, tela, tinta, cola, etc. Foi uma experiência instigante e prazerosa.
O Material foi espalhado sobre a mesa. E, em seguida, conversou-se,  sobre o jogo de criação e estabeleceu-se uma regra básica: o trabalho se concretizaria a partir das mediações ante os problemas gerados pela idéia inicial.
Tais mediações referiam-se a seleção dos elementos necessários para a construção do significado da obra, que são direcionadas pela ideia inicial, encaminhamento, que se encarrega de a
gregar as respostas geradas pelos questionamentos,  dando-lhes coesão (nexo) compondo o corpo do trabalho artístico.
Um ponto importante foi ressaltado a respeito da natureza dos códigos que são empregados no jogo de criação: o da idéia inicial composta por abstração, de ordem mental, e, da obra, de natureza material. Por se tratar de códigos distintos, era necessário operar uma transcodificação do mental para o material e considerar as adaptações, ajustes e mudanças à condição e limitação sujeita a esse processo. Assim, chegou-se à conclusão que a ideia inicial se comportaria como um condutor da criação, e que, esta, realiza-se no fazer, no executar, trabalho em transpo-la e adequa-la ao código do mundo real, palpável.
Esclarecido esses pontos foi revista a síntese (ideia) inicial que consistia em construir algo que lembrasse uma máquina com seu processo de produção, que teria o homem como matéria bruta e o gado resultado final, uma alusão ao poder. A produção em série, própria das máquinas, levou a escolher a sequência linear para organizar as informações e, a adequar o suporte, no caso um compensado retangular, devido a sua consistência e  facilidade a aderência e afixação das colagens.
Nesse instante, intensificaram-se as mediações. Passou-se a dialogar mais intensamente com a obra. Foram tomadas outras decisões e consequentemente surgiram novos problemas, visto que, a obra realiza-se no fazer, como já vimos, portanto, a cada interferência no processo criavam-se novas informações, resultado das relações que os elementos mantinham no campo compositivo, o espaço onde se jogava.
Definidos os encaminhamentos gerais, partiu-se, então, para primeira intervenção de  fato,  a  localização  da   máquina e   o entorno,      as extensões laterais, que foram revestidas por réplicas reduzidas de cédulas de dinheiro, dispostas horizontalmente, determinando uma textura para o fundo. Com isso criou-se a atmosfera que alimentava todo aquele sistema de poder, que gera a ganância os interesses de usurpação e corrupção comum nas administrações públicas, que estava  representada pela serra, engrenagem em forma de disco, situada no centro do suporte. Adotando, desta forma, a simetria dos espaços, e com ela, a frieza, encontrada na rigidez das máquinas e dos poderes retrógados: centro, de onde sai o comando, as ordens. Disposta um pouco elevada do fundo, no seu meio achava-se uma fechadura com chave, a qual ligava-se a um chaveiro em forma de camisa azul com nome escrito: “voto”. Acioná-la caberia ao apreciador da obra.
Precisava-se, agora, escolher os sinais, a marca que identificasse a máquina: as instituições públicas, as manifestações culturais alienantes voltadas para as massas? Foi escolhida a foto da prefeitura. Do lado esquerdo agrupou a matéria bruta, representado pelas bonecas e bonecos desmembrados, menção a falta de unidade e harmonia do homem. 

  Mas, os bois que apareceriam do outro lado da máquina, o produto final, esses, sim, estariam inteiros e em fila, obedientes. E por fim, o funil, partido ao meio, sugerindo a entrada e saída do processo de produção da máquina.
Após quatro horas de curiosa experiência Tércia Lêda assina a obra.
O título da obra foi escolhido quando a artista folheava uma revista de propaganda de administração pública, a procura de fotos para usar na colagem do trabalho, deparou com a frase estampada na capa: No Ritmo do Desenvolvimento.



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